segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O luto de Pyongyang e a agressividade cínica do imperialismo


Paulo Vinícius
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Impressionante o linchamento promovido pela imprensa oligopolista contra a isolada, combatida e altiva República Democrática e Popular da Coreia, por ocasião da morte de seu líder, Kim Jong Il. Como disse Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem".


A linda Pionguiangue tem, desde a década de 1950 do século passado, mais de 100 ogivas nucleares apontadas contra si. Também desde então, há módicos 30 mil militares estadunidenses instalados na Coréia do Sul, de armas e provocações em riste. Tal arsenal e contingente só estão ausentes na mais agressiva e sistemática campanha de publicidade negativa promovida contra um país. A quem atacaram os cidadãos da Coréia popular? Que ato de agressividade eles cometeram contra qualquer país no mundo? Nenhum.

Seu perigo é o tal do exemplo, que desde a criação do coreano enquanto idioma os notabiliza como campeões da luta por sua autodeterminação. Por isso a agressividade imperialista sequer lhes admite o luto. Seu crime é terem enfrentado e vencido o imperialismo japonês, que impôs até seu idioma para tentar matar o coreano nas cabeças das crianças nas escolas. O fascismo japonês sequestrou milhares de mulheres coreanas e as obrigou a serem prostitutas de suas tropas Segunda Guerra Mundial.

Com a Guerra da Coreia - o Vietnã estadunidense dos anos 50 -, confrontados com a natureza indômita daquele povo, os ianques se viram até tentados a aplicar os conselhos psicóticos do General MacArthur que propunha um cinturão de cobalto, apelando ao lixo nuclear para separar a Coreia para sempre. Tal foi o ódio de que foi merecedor Kim Il Sung, por ter liderado o povo coreano na expulsão das tropas estadunidenses de metade do território pátrio.

Para os coreanos que vivem no Norte, o oxigênio é sua autodeterminação. Pionguiangue foi construída a partir de uma determinação industrial que navegou nas condições favoráveis do campo socialista soviético, mas contra a opinião dos russos. Coreanos e chineses partilham laços seculares, e o sangue chinês e coreano se fundiram nos campos de batalha da Guerra da Coreia. Ainda assim, Pionguiangue jamais aceitou tutelas que delimitassem seu projeto de independência, chegando ao desenvolvimento de uma indústria de base, da siderurgia, da química, e da sua defesa. Confrontados com vizinhos e inimigos tão poderosos, o povo coreano sobrevive, apesar das adversidades de toda natureza.

São de uma cultura muito diferente da nossa, marcada pelo confucionismo e por uma multissecular luta por sua soberania. E em meio aos problemas concretos de sua sobrevivência, com uma história peculiar e sempre marcada pela busca da autonomia, armados por uma filosofia nacional, o Juche, essa Esparta dos dias de hoje persiste a desafiar os olhares ocidentais com a mesma sintonia dos gestos de seu Arirang. Decidem seu próprio destino sob olhares poderosos e descrentes, porque impotentes diante do desejo de independência que nutre aquele povo. E a despeito de tamanhas adversidades, da natureza que castiga sua produção de alimentos, e de tanto bloqueio, foram capazes de construir uma capacidade de dissuasão que se manifestou com seus mísseis balísticos e seu poder nuclear.

A propaganda contra o extinto líder coreano esgrimiu sempre implacável caricatura racista. Mas não foi a esquisitice imputada pela eurocêntria mirada, e sim a ousadia e altivez, os crimes de Kim Jong Il.

Muitos ignoram o esforço feito pela RPDC em retomar as negociações de paz com a Coreia do Sul. Em 15 de junho de 2000, os líderes da Coreia, Kim Jong Il e Kim Dae Jung, assinaram uma Declaração Conjunta, defendendo que os coreanos, como mestres da Nação, decidiriam a reunificação. Aí é que complicou, afinal, para que os EUA manteriam 30 mil soldados e mais de 100 ogivas nucleares na Coreia do Sul? A partir de 2001, com a bem orquestrada "Guerra contra o terrorismo", os EUA proclamam sua agressividade infinita, preventiva, definindo um "eixo do mal" cuja regra era de uma definição simples: a favor dos EUA, beleza. Contra os crimes dos EUA, segure-se. E para que dúvida não restasse, haja bomba, haja massacre, haja genocídio, haja tortura... E os coreanos, outra vez, foram empurrados às difíceis escolhas que tem feito.

Foi num tal cenário que Kim Jong Il defendeu que a capacidade de dissuasão seria a única possibilidade de sobrevivência. É dura essa espécie de decisão. Todavia, nesses tempos de invasão do Iraque, Afeganistão e Líbia, tempos de magnicídio e sevícias, tempos de infiltração, tempos de Goebbels e de novas Gestapo, de Patriotic Act e de Guantânamo, como censurá-los? E o fato é que até aqui eles triunfaram em seu propósito de manter-se unidos e de construir com seus próprios esforços uma capacidade de dissuasão que lhes assegurou a paz. E tamanho desenvolvimento tecnológico e científico, sob bloqueio, não pode brotar do vácuo, da pobreza. Para vir a lume, carece de uma vontade nacional admirável.

Vendo as imagens dos provocadores militaristas e de direita, corajosos e viris graças às armas de uma potência estrangeira, zombando e escarnecendo por um lado, e o luto nacional dos coreanos pela perda de seu líder de outro, observo como a imprensa monopolista inverte as coisas. Os que pranteiam seus líderes mortos são agressivos, e os que chafurdam na provocação covarde são os pacíficos e sensatos. E penso na justa e fria análise que assegurou, até agora, a integridade do território da RPDC.

Observe-se, sempre que há um incidente com aquele país é o território que está em jogo. Às vezes umas jornalistas boazinhas dos EUA, quase coreanas, infiltrando-se pela fronteira - assim sem querer. Outra vez um cioso pregador que unicamente movido por sua fé, avança em território da Coréia Popular. Ou um ataque feito pelos EUA e que se atribui à Coreia Popular. Que tal um exercício militar com tropas estrangeiras? E o agressivo ainda é Kim Jong Il. Observem a Líbia, observem o Iraque, observem a Síria: são meras coincidências?

Como dizia Brecht, "também a luta contra injustiça torna a voz rouca". Há que diferenciar os contratempos e erros de quem resiste em desvantagem absoluta contra um inimigo mais forte, por décadas a fio, e a deformação intrínseca ao imperialismo que oprime, asfixia, aniquila, infiltra e bombardeia. Por que? Ao compactuar com o imperialismo em sua agressividade, manchamos as mãos com seus crimes, como alguns fizeram em relação à Guerra do Iraque, co-responsáveis pelo assassinato de centenas de milhares de iraquianos. Não se me convide a entrar no coro dos que legitimam o genocídio, a democracia dos bombardeios, o terrorismo de estado, os dardos envenenados da imprensa oligopolista como infantaria. Aos coreanos, iraquianos, afegãos, paquistaneses, sírios, libaneses, latino-americanos, só desejo que o tacão estadunidense se afaste de suas decisões, e que se lhes respeite o direito à soberania, porque a melhor garantia de paz é a justiça e o respeito à auto-determinação dos povos.



* Sociólogo e Bancário, Secretário Nacional de Juventude Trabalhadora da CTB.