segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A guerra da Coreia e os perigos actuais na Península Coreana

Publicamos a seguir um texto sobre a Guerra da Coréia, retirado da edição nº 33 de O Militante, revista teórica do Partido Comunista Português.


A guerra da Coreia e os perigos actuais na Península Coreana


Seis décadas após a terrível guerra da Coreia, os ventos da agressão e guerra imperialistas continuam a soprar de forma perigosa em torno da Península Coreana. A tensão alimentada pelo imperialismo serve de pretexto para que os EUA continuem a manter, 65 anos após o fim da II Guerra Mundial, milhares de soldados, bases militares e armas nucleares no Japão e na Coreia do Sul, no âmbito da sua política de dominação planetária. Essa presença, que desde há décadas limita a soberania e independência dessas potências asiáticas, tem hoje – como há 60 anos – um outro alvo: o gigante chinês, cuja importância mundial é cada vez maior e decisiva.
Os planos de ataque de Clinton e Bush

«Oito anos antes da Administração Bush ter decretado a sua estratégia de defesa nacional,  proclamando a doutrina [do ataque] preemptivo, os Estados Unidos estiveram à beira de iniciar uma guerra para impedir a Coreia do Norte de vir a ter armas nucleares. […] Nós os dois, então no Pentágono, preparámos os planos para atacar as instalações nucleares da Coreia do Norte e para preparar centenas de milhar de tropas americanas para a guerra que provavelmente se teria seguido». Estas palavras foram escritas em Outubro de 2002 (1). Os seus autores foram o Ministro e Vice-Ministro da «Defesa» dos EUA, no primeiro Governo do Presidente Clinton. A confissão é elucidativa, porque os seus autores estão orgulhosamente conscientes da natureza totalmente criminosa dos seus planos: «Passámos boa parte do primeiro semestre de 1994 a preparar a guerra na Península Coreana. […] Preparámos um plano pormenorizado de ataque [à central de produção de energia atómica de] Yongbyon, com bombas guiadas de precisão. Estávamos muito confiantes de que a poderíamos destruir sem provocar uma fusão [do reactor] que libertasse radioactividade para a atmosfera. […] Mas um ataque a Yongbyon, embora cirúrgico em si mesmo, dificilmente seria cirúrgico no seu efeito global. O resultado provável desse ataque seria um surto das forças militares, antiquadas mas numerosas e fanáticas, da Coreia do Norte, que atravessariam a Zona Desmilitarizada que separa a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. […] Na eventualidade dum ataque [?!?] norte-coreano, as forças dos EUA, trabalhando lado a lado com o exército sul-coreano e utilizando bases no Japão, rapidamente destruiriam o exército e o regime norte-coreano. Mas ao contrário da Tempestade no Deserto (2), que foi combatida nos desertos árabes, os combates noutra guerra da Coreia teriam lugar nos subúrbios densamente povoados de Seul. […] Milhares de tropas dos EUA e dezenas de milhar de tropas sul-coreanas morreriam e milhões de refugiados encheriam as estradas. As baixas norte-coreanas seriam ainda maiores. A intensidade dos combates seria a maior a que o mundo já teria assistido desde a última Guerra da Coreia».

É difícil saber o que é mais criminoso nestas declarações dos Ministros do anterior Presidente «democrata» dos EUA. À arrogância imperial (no seu auge em 2002) de considerar que os EUA têm o direito de atacar militarmente qualquer país que não se submeta aos seus ditames, soma-se a criminosa convicção de que bombardear uma central nuclear não traz consequências catastróficas – ou, mais provavelmente, a total indiferença perante um tal desenlace. Repare-se como nas macabras contabilizações de baixas resultantes duma guerra desencadeada pelo ataque dos EUA, estão ausentes as baixas civis. Em 2003, outro artigo, no New York Times, afirma que planos idênticos estavam a ser preparados pela Administração Bush, e que «poderão ser usadas armas nucleares tácticas» contra a Coreia do Norte (3).

É importante relembrar estas confissões dos senhores da guerra de Washington, porque quando se trata de falar da Península Coreana, ou da República Democrática e Popular da Coreia (RDPC), a quase totalidade da comunicação social afina por um único diapasão. Ao unilateralismo de regime no relato (ou omissão) dos factos contemporâneos, junta-se a falsificação da realidade histórica que nos trouxe à situação actual. E que é indispensável para a compreensão da natureza das forças envolvidas na questão coreana. Por discutíveis que possam ser aspectos da realidade ou das acções norte-coreanas, é indesmentível que a principal responsabilidade pela tensão e os perigos para a paz que emanam da Península Coreana recai sobre o imperialismo norte-americano. Como prova o seu macabro historial de agressões naquela martirizada região do globo.


A guerra de 1950-53


Faz sessenta anos, a Península Coreana estava a ferro e fogo, na primeira das grandes guerras do imperialismo dos EUA após a II Guerra Mundial. Soldados norte-americanos e chineses chegaram a enfrentar-se directamente nos campos de batalha da Coreia. A Guerra da Coreia foi de uma brutalidade extrema. Escreve o jornalista norte-americano Gregory Elich: «No primeiro ano da guerra, a 5 de Novembro de 1950, o General Douglas MacArthur (4) ordenou a destruição de “todos os meios de comunicação, todas as instalações, fábricas, cidades ou aldeias” numa região que se estendia do Rio Yalu (5) até à frente de combate. A primeira cidade a ser arrasada foi Sinuiju, e rapidamente se começou a usar o napalm nos raides aéreos contra civis. Mais de [8700 litros] (6) de napalm foram lançados sobre Pyongyang num único raide, em Julho de 1952. Bombardeamentos massivos arrasaram sistematicamente vila após vila, e os aviões dos EUA também alvejaram estações de energia eléctrica e barragens de irrigação que davam apoio aos campos de arroz. Com a destruição das barragens, as aldeias a jusante eram varridas pelas águas, espalhando a morte e destruição em larga escala. Por várias vezes durante a guerra, os EUA consideraram a utilização de armas nucleares. […] De acordo com o General Curtis LeMay, “arrasámos praticamente todas as cidades, quer na Coreia do Norte, quer na Coreia do Sul”, “matámos mais de um milhão de civis coreanos e expulsámos vários milhões dos seus lares”» (7). O relato de Elich é confirmado pelo Professor de História da Universidade de Chicago, Bruce Cumings, no seu recente livro «The Korean War» (8). Afirmando que a guerra provocou mais de 4 milhões de baixas, pelo menos metade das quais civis, Cumings cita um jornalista que «testemunhou “uma devastação completa entre o Rio Yalu e a capital” Pyongyang. Pura e simplesmente “não havia mais cidades na Coreia do Norte”» (p. 154). «No fim [da guerra], o nível de destruição urbana excedia tudo o que se verificou na Alemanha e Japão, de acordo com as estimativas da Força Aérea dos EUA» escreve Cumings (p. 159), acrescentando  que a Convenção da ONU contra o Genocídio «foi aprovada em 1948 e entrou em vigor em 1951 – precisamente quando a Força Aérea dos EUA estava a cometer um genocídio, ao abrigo da definição [da Convenção] e sob a alçada do Comando das Nações Unidas (9), contra os cidadãos da Coreia do Norte» (p. 161).

É usual ouvir-se dizer que a guerra da Coreia começou no dia 25 de Junho de 1950, a partir duma incursão de tropas da Coreia do Norte em território do Sul. Escusando-se a tirar conclusões categóricas sobre os acontecimentos da noite de 24-25 de Junho («há ainda muito para saber sobre o que se passou nesse fim-de-semana» e «informações iniciais dos serviços secretos foram inconclusivas sobre quem os teria iniciado», p. 9), o Professor Cumings chama a atenção para o facto de que incidentes de fronteira tinham sido frequentes nos meses anteriores e que «muitos dos intensos combates ao longo da fronteira que decorreram entre Maio e Dezembro de 1949 foram, segundo informações internas Americanas, iniciados pelas forças do Sul» [sob ocupação dos EUA] (p. 139). Num desse confrontos fronteiriços, «iniciado pelo Sul» em 4 de Maio de 1949, morreram «400 soldados norte-coreanos e 22 soldados sul-coreanos» (p. 140).
Noutro incidente, no Verão de 1949 «vários navios sul-coreanos invadiram as águas territoriais [do Norte] e bombardearam um pequeno porto». Cumings assinala que o então chefe fantoche da Coreia do Sul, Syngman Rhee, era fervoroso partidário dum ataque militar ao Norte (10) e que John Foster Dulles, irmão do Director da CIA e mais tarde Ministro dos Negócios Estrangeiros dos EUA sob Eisenhower, visitou a Coreia e o paralelo 38 (fronteira das duas Coreias) uma semana antes do início da guerra (p. 6). Mas Cumings aborda outros aspectos mais de fundo da questão.


Da ocupação japonesa à partição americana


Em 1910 a Coreia foi anexada pelo Japão. A ocupação japonesa durou várias décadas, até ao final da II Guerra Mundial. Cumings assinala que «a ocupação japonesa da Coreia de 1910 a 1945 é semelhante à ocupação Nazi da França, pela forma como afectou e penetrou na consciência nacional coreana» (p. 45). A resistência coreana à ocupação foi intensa e teve um papel importante na própria China, após a invasão e ocupação japonesa do nordeste chinês, que deu origem ao Estado fantoche de Manchukuo. Segundo Cumings, coreanos desempenharam um papel de enorme importância na resistência («cerca de 80% da guerrilha anti-japonesa em Manchukuo», p. 52), incluindo no seio do próprio Partido Comunista Chinês. «Em meados dos anos 30, o homem que assumiu o nome de guerra Kim Il Sung era um chefe da guerrilha bem conhecido e formidável» (p. 44). No final da II Guerra Mundial, com tropas soviéticas a entrar na Coreia ocupada pelos japoneses a partir do Norte (que faz uma pequena fronteira com a Rússia), e os EUA ainda não presentes em território coreano, estes últimos decretaram unilateralmente o paralelo 38 como linha divisória das zonas da responsabilidade da URSS e dos EUA. Na zona sul, a ocupação dos EUA «instaurou um governo militar que durou três anos e influenciou profundamente a história da Coreia no pós-guerra» (Cumings, p. 104). Durante esses anos, os EUA recorreram aos coreanos colaboracionistas com a ocupação japonesa para formar os quadros dirigentes do futuro Estado sul-coreano. Uma semana após o desembarque de forças norte-americanas, um chefe dos serviços secretos militares dos EUA «havia descoberto “algumas centenas de conservadores” que poderiam ser bons dirigentes da Coreia no pós-guerra. A maioria tinha colaborado com o imperialismo japonês, escreveu, mas estava esperançoso de que essa mácula viesse a desaparecer. Neste grupo de pessoas estavam a maioria dos dirigentes que mais tarde viriam a gerir a política sul-coreana» (Cumings, p. 106). Em 1950, no início da guerra «quase todos os comandantes de topo do exército sul-coreano haviam servido os japoneses» (p. 44).

Os anos que antecederam a guerra foram anos de resistência e revolta da população do Sul contra a ocupação dos EUA e seus fantoches. «Uma revolta de grande dimensão abalou a ocupação americana até aos alicerces em Outubro e Novembro de 1946, e foi o culminar de numerosos conflitos, nos meses precedentes, com comités populares poderosos. Em Outubro de 1948 uma nova grande revolta verifica-se na região do porto sudoriental de Yosu, no rescaldo da qual se desenvolveu rapidamente uma resistência de guerrilhas, no fundamental baseada no Sul» (p. 111). A repressão destas revoltas pelas forças ao serviço da ocupação foi feroz e sangrenta. Cumings afirma que terão sido mortos cerca de 60 mil dos 300 mil habitantes da ilha de Cheju (p. 121) e mais de 100 mil coreanos da zona sul terão sido vítimas da violência repressiva antes do início da guerra (p. 138). Não espanta que Cumings tire a conclusão que a guerra da Coreia começou nos anos 30 e ainda não terminou (p. 65).

A divisão da Península Coreana foi formalmente consagrada com a criação em Agosto de 1948, na zona sul ocupada pelos EUA, duma República da Coreia. Um mês mais tarde é criada a RDPC, a norte do paralelo 38. O poder a Norte ficou nas mãos das forças que protagonizaram a guerra de libertação nacional contra a ocupação japonesa e a resistência à ocupação pelo imperialismo norte-americano. No Sul, como já se viu, os ocupantes colocaram no poder os colaboracionistas das duas ocupações imperialistas, tendo-se estabelecido uma feroz ditadura que apenas viria a ser abalada pelas revoltas populares dos anos 80.


Os contextos internacionais de 1950 e 2011

O conflito de 1950-53 na Coreia é inseparável do contexto internacional de então. No rescaldo da II Guerra Mundial e do papel crucial da URSS e dos comunistas na derrota do nazi-fascismo, os povos de todo o planeta davam passos enormes no sentido da sua libertação social e nacional. Em Outubro de 1949 triunfava a grande revolução chinesa, sob a direcção do Partido Comunista Chinês. Povos asiáticos colonizados pelas potências «liberal-democráticas» europeias alcançavam pela luta a sua independência (a Índia libertava-se do domínio inglês em 1947, e a Indonésia da colonização holandesa, em 1949). Nos próprios centros do imperialismo europeu, partidos comunistas que haviam contribuído decisivamente para a derrota do fascismo eram forças de enorme importância.  É neste contexto que o imperialismo norte-americano se transforma na ponta de lança da reacção mundial, para desencadear uma contra-ofensiva política, económica, social e militar, que ficou para a História com o nome de Guerra Fria. Em numerosos locais do globo essa contra-ofensiva foi tudo menos «fria». Apoiando as potências coloniais de outrora (como no Vietname, ou na Malásia), ou os fascistas e seus colaboracionistas (como na Grécia, ou na Coreia), o imperialismo recorreu a todos os meios possíveis para travar e fazer recuar a luta de libertação dos povos. A guerra da Coreia e a divisão da Península Coreana são inseparáveis desta realidade central.

As seis décadas decorridas desde a Guerra da Coreia registaram numerosas e profundas alterações na península, na região e no planeta. Mas a Península Coreana continua dividida. A luta pela sua reunificação pacífica e desnuclearização – objectivos de sempre da RDPC – permanece na ordem do dia. O fim dos combates em Julho de 1953 foi siglado por um Armistício, que nunca até hoje foi transformado em Tratado de Paz que pusesse formalmente fim à guerra e reconhecesse a existência da RDPC. A divisão da Coreia continua a servir de pretexto para a presença de dezenas de milhar de soldados dos EUA no Pacífico que, com os seus arsenais nucleares, representam um enorme e permanente perigo para a paz.
A actual e profunda crise do capitalismo mundial, a incapacidade dos centros dirigentes das potências imperialistas lhe darem resposta, a natureza particularmente grave da crise na principal – e mais fortemente armada – potência imperialista do planeta, bem como os reveses que a sua política de hegemonismo e agressão tem vindo a sofrer, são factores que tornam prementes os perigos de que o imperialismo procure fugir à crise através dum aventureiro conflito militar de grandes proporções. Quem se esquecer deste aspecto crucial não poderá compreender de onde vem o perigo de guerra fundamental nos nossos dias. E corre o risco de se vir a encontrar do lado errado da barricada.


Notas

(1) O artigo Back to the Brink, de Ashton B. Carter e William J. Perry, foi publicado em 20.10.02 no Washington Post.
(2) A primeira Guerra do Golfo, de 1991.
(3) Secret, scary plans, de Nicholas D. Kristof, New York Times, 28.2.03.
(4) Comandante das forças militares dos EUA na Coreia até à sua destituição pelo Presidente Truman em Abril de 1951.
(5) O Rio Yalu faz a fronteira entre a Coreia e a China.
(6) No original, «2300 galões».
(7) Targeting North Korea, de Gregory Elich, disponível em http://www.globalresearch.ca/articles/ELI212A.html
(8) The Korean War, de Bruce Cumings, 2010, Modern Library Edition.
(9) O Conselho de Segurança da ONU deu a sua chancela à intervenção militar dos EUA em 25 de Junho de 1950, aproveitando a ausência da URSS que, desde Janeiro desse ano, boicotava as reuniões do Conselho de Segurança, em protesto pelo facto de que após a Revolução Chinesa de 1949, o lugar da China nesse órgão (e o respectivo direito de veto) ter sido entregue ao governo fantoche de Taiwan – situação incrível que se manteve até 1971.
(10) Veja-se também o livro do jornalista australiano Wilfred Burchett «Novamente a Coreia?», edições Seara Nova, 1969, p. 237.


quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Rodong Sinmun* exige retirada das tropas norte-americanas da Coreia do sul

Com a intenção de realizar a unânime demanda da nação coreana pela independência, pela paz e pela reunificação, é imperativo por um fim à política norte-americana de ocupação militar sobre a Coreia do sul o mais rápido possível, para dessa forma mais rápido realizar tal demanda.


A presença dos Estados Unidos na Coreia do sul é um ato criminoso que desrespeita a vontade e o direito da nação coreana pelo desenvolvimento independente. A presença dos Estados Unidos na Coreia do sul é um empecilho ao caminho pela reconciliação nacional, pela unidade e pela reunificação.


Os Estados Unidos dão contínuos ímpetos à manutenção das forças norte-americanas estacionadas na Coreia do sul, ignorando as vozes dos coreanos, que possuem como grande demanda a retirada das tropas de agressão sobre o país, que tem como objetivo desencadear uma guerra de agressão contra o sistema socialista do norte da Coreia.


Olhando mais atrás para a história, os Estados Unidos encorajaram diversas manobras que prejudicaram as relações inter-coreanas, que prejudicaram a reconciliação, a cooperação e a reunificação entre as duas partes do país. Os Estados Unidos ainda possuem dezenas de milhares de tropas na Coreia do sul: Tais tropas representam um grande empecilho para estabilizar as tensões na Península Coreana, garantir a paz e desenvolver as relações inter-coreanas.


Dar um fim à presença militar norte-americana e à tirania da mesma sobre a Coreia do sul é uma urgente tarefa histórica da nação coreana. Não existem quaisquer motivos ou desculpas para as forças norte-americanas permanecerem estacionadas sobre o sul da Península.


Fonte: Rodong Sinmun
* Orgão central do Partido dos Trabalhadores da Coreia

sábado, 3 de setembro de 2011

A centralidade dos assuntos militares na construção do socialismo coreano: o que é a Política Songun?



A República Popular Democrática da Coreia dede sua fundação sofre constantemente com as inúmeras provocações e ameaças de agressão do imperialismo. Logo depois de fundada sofreu com uma gigantesca guerra promovida pelos Estados Unidos, os governantes títeres sul-coreanos e mais uma série de países imperialistas. A guerra foi iniciada em 25 de Junho de 1950, após soldados do “Exército de Defesa Nacional” da Coréia do Sul, dirigidos e orientados por oficiais norte-americanos, promoverem ataques surpresas na região do Paralelo 38, avançando na região norte da Coréia (RPDC). A guerra, além de ter custado a vida de milhões de coreanos, causou também a destruição completa da infra-estrutura de suas principais cidades. Naquela época, a vitória do socialismo em diversos países europeus e também em uma das maiores nações do planeta – a República Popular da China – havia impulsionado a luta de libertação dos povos de terceiro mundo.

Com a ajuda da República Popular da China e da União Soviética, os comunistas coreanos conseguiram impor ao imperialismo norte-americano a primeira derrota de sua história. Durante o período pós-guerra da Coreia, os norte-coreanos optaram por começar a construir as bases econômicas do socialismo. Para reconstruir a economia destruída pela guerra, o governo coreano lança o Plano Trienal (1954-1956). Em 1957 iniciam a etapa de cumprimento do Plano Quinquenal da Economia Nacional, inicio da industrialização socialista. Após Kim Il Sung ter lançado a consigna “Avancemos com a velocidade de Chollima!” a sociedade norte-coreana viu surgir um movimento de mobilização popular para a construção socialista chamado “Movimento Chollima”. Chollima é um cavalo alado legendário do folclore coreano, que percorre 400 km em um só dia.

Os feitos econômicos norte-coreanos possibilitaram que o país se industrializasse criando uma economia socialista relativamente desenvolvida. Em poucos anos o país construiu milhares de fábricas, mecanizou sua agricultura, edificou bonitos prédios residenciais, universidades e construiu modernas cidades. Após a crise que culminou com a queda do socialismo no Leste Europeu a Coreia do Norte sofreu duras provas, enfrentando uma situação crítica que assolou os anos 90, que ficou conhecido como “Árdua Marcha”, parecido com o chamado “Período Especial” cubano. Durante esse período o nível de desenvolvimento das forças produtivas regrediu, principalmente na agricultura. O país que era dotado de uma agricultura intensiva e altamente mecanizada, e que exportava grãos para os países socialistas – era o segundo maior exportador de arroz para a União Soviética – passou a sofrer grandes dificuldades neste setor de sua economia. A queda dos países socialistas provocou uma escassez de fertilizantes no país, assim como a dificuldade de obtenção de divisas e petróleo, essenciais para agricultura intensiva e mecanizada da Coréia do Norte

Aproveitando-se da queda do socialismo nos países do Leste-Europeu, os Estados Unidos endureceu e reforçou sua política de provocação, através de movimentações e exercícios militares conjuntos com o exército sul-coreano, e o aprofundamento do bloqueio econômico ao país, que passou a ter um efeito muito devastador, pois a Coreia do Norte havia perdido os seus principais parceiros econômicos representados pelo campo socialista. Estavam criadas as condições objetivas que culminaram na formulação e aplicação da chamada Política Songun, desenvolvida pelo Dirigente Kim Jong Il. A Ideia Songun é uma concepção que defende a centralidade dos assuntos militares na construção do socialismo coreano. Sua formulação e aplicação é o reflexo das condições históricas criadas por uma realidade onde o imperialismo intensifica suas agressões aos povos, principalmente aqueles que escolheram um caminho de desenvolvimento contrário aos seus interesses.

Na República Popular Democrática da Coreia,
 o Exército Popular é força decisiva na construção do socialismo

Origem e contexto sócio-histórico do surgimento da “Política Songun”
Oficialmente os comunistas norte-coreanos consideram Kim Il Sung o criador da Ideia Songun. O surgimento de tal concepção teria se dado na época da Luta Revolucionária Antijaponesa, onde o Exército Revolucionário Popular da Coreia era a principal organização revolucionária do país. A Política Songun é aplicada desde a década de 60, mas se tornou central e mais importante na década de 90.

Com o fim da União Soviética os Estados Unidos intensifica sua política militarista contra a Coreia do Norte aumentando o efetivo militar presente no Sul da península, bem como a deslocação de armamento nuclear para a região. Observando tais movimentações Kim Jong Il analisou a situação nacional e internacional e percebeu a urgência de fazer frente ao imperialismo dando maior importância a assuntos militares e defesa durante a construção do socialismo em um contexto onde o movimento comunista internacional encontrava-se em plena crise.

Fundamentos da Política Songun
Os princípios teóricos da ideia Songun são os mesmos da Ideia Juche, assim como seus objetivos finais: “O homem é dono do mundo e decide tudo”, “Conquistar a independência das massas populares”. Sendo uma ideia política que prioriza os assuntos militares, segundo a ideia Songun a revolução se forja, avança e se concretiza mediante o fuzil. O fuzil (exército, força militar) é o fator decisivo na construção do socialismo coreano, pois durante toda sua história ele foi construído em confrontação com o imperialismo. Poderíamos lembrar a máxima do Presidente Mao Tsé-tung para quem “Todo o poder político nasce da ponta do fuzil”. Obviamente, não se trata de uma concepção que advoga que apenas a aplicação dos métodos militares contra o inimigo de classe bastaria para manter as massas populares coreanas como classe dirigente do país. Na Coreia do Norte, o consenso da sociedade em torno da direção do Partido do Trabalho da Coreia e o seu Secretário Geral, Kim Jong Il, materializa-se principalmente através do anti-imperialismo e se dá uma elevada importância a formação ideológica do cidadão, a fim de garantir uma hegemonia ideológica anti-imperialista e comunista.

A Política Songun confere ao Exército Revolucionário o papel de força mais importante durante a construção socialista. Segundo os comunistas norte-coreanos o Exército Revolucionário, dirigido pelo Partido, a serviço da classe trabalhadora, é a força mais dotada de consciência ideológica revolucionária. A importância atribuída ao Exército Revolucionário na construção socialista também engloba a participação decisiva e principal desta força na construção econômica do país. Praticamente todas as construções relacionadas à infra-estrutura, por exemplo, são levadas a cabo pelo Exército Popular Revolucionário, principalmente em atividades mais perigosas, como no caso da construção da hidrelétrica de Huichon.

Importante ressaltar que a idéia Songun foi elaborada para responder aos problemas impostos a prática da revolução coreana. Não se trata de uma política que todos os países que constroem o socialismo devem passar, apesar de muitos de seus elementos constituintes serem passíveis de uma universalização, como, por exemplo, a importância de uma força armada revolucionária forte, que garanta a ordem socialista e defenda os países da ameaça imperialista.

A guerra de agressão contra a Líbia e a Política Songun
A atual guerra de agressão promovida pela OTAN contra a Líbia é uma clara demonstração de que os comunistas norte-coreanos estão certos em não confiarem no imperialismo. Uma vez mais as principais potências capitalistas demonstram o seu caráter agressor. São nesses episódios que os fatos dão razão aos comunistas coreanos que optaram pelo fortalecimento da defesa nacional e pela política de prioridade aos assuntos militares.

Após a queda da União Soviética o coronel líbio Muamar Kadafi operou mudanças em seu governo que apontavam para uma tentativa de reconciliação com países que outrora eram seus inimigos mortais. Tal mudança de atitude, longe de ter sido feita em uma situação de igualdade entre as partes, apenas refletiam a tentativa de um dirigente em tentar se reposicionar em um mundo onde já não existia mais a guerra fria. As ilusões de Kadaffi levaram o líder líbio ao encerramento do Projeto Nuclear Líbio.

Por suas mudanças Kadaffi chegou ser amplamente elogiado por alguns dirigentes políticos burgueses, como, por exemplo, o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, de quem se declarava amigo. Os Estados Unidos também elogiavam o modo como a Líbia renunciou o seu projeto nuclear dizendo que países como Coréia do Norte e Irã deveriam seguir o mesmo caminho. Como bem lembrou o Ministério de Relações Exteriores da Coréia do Norte, tais atitudes por parte dos Estados Unidos significavam uma tentativa de desarmar o rival utilizando palavras agradáveis, para depois o atacarem com armas.

Se aproveitando das rebeliões populares que tomaram conta de países como o Egito e Tunísia e derrubaram os líderes pró-imperialistas que comandavam estas nações, o imperialismo aproveita para fomentar e financiar um movimento de oposição ao líder líbio. O imperialismo não mede esforços em dar apoio armado aos chamados “rebeldes”, mostra na prática a sua disposição interventora, atitude que não tomaram em relação aos manifestantes do Bahrein, que protestavam contra a ditadura pró-imperialista do rei Hamad Bin Isa Al-Khalil, pois se tratava de uma ditadura que sempre fora servil aos seus interesses.

Óbvio que a situação da Coreia do Norte e Líbia são diferentes, mas os atuais episódios no país africano servem de alerta a todas as nações que estão situadas no campo do anti-imperialismo. No caso norte-coreano, frente as ameaças reais contra o país, dar prioridade aos assuntos militares, elevando o papel de seu Exército, é fundamental para preservar o seu sistema socialista.

Por Gabriel Martinez – Editor do Blog de Solidariedade á Coréia Popular

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