terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Entrevista com Alejandro Cao de Benós


Levamos ao ar agora nossa segunda das várias entrevistas que realizaremos com personalidades que puderam visitar a RDP da Coréia. Caso não tenham acompanhado, nossa primeira entrevista foi feita com o camarada Elias Jabbour, geógrafo que visitou a RDP da Coréia em 2009, que pode ser visualizada clicando no primeiro link da parte direita da página do blog, no tópico ENTREVISTAS.

A entrevista desse momento é feita com o camarada Alejandro Cao de Benós y Perez. Alejandro é um espanhol e único estrangeiro que compõe o governo da Coréia Democrática Popular. No ano 2000, criou a Associação de Amizade com a Coréia (KFA) que promove intercâmbios culturais com o país. Viaja regularmente a Pyongyang a trabalho, é visto pelos coreanos como melhor amigo estrangeiro e está na vanguarda do movimento internacional de solidariedade à RDP da Coréia. Representa uma ponte entre a RDPC e o resto dos países do mundo.

Como fizemos questão de ressaltar na primeira entrevista com o camarada Elias Jabbour, as opiniões do entrevistado não refletem necessariamente as opiniões dos editores do blog. Compreendemos que a diversidade de opiniões das pessoas que viram de perto a realidade da RDPC pode ajudar o leitor a tirar conclusões próprias acerca do país.

Boa leitura a todos.

Assinado: Equipe do Solidariedade à Coréia Popular.
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Solidariedade à Coréia Popular: Você é o único estrangeiro trabalhando no governo coreano. Você poderia nos falar de forma sucinta como você entrou em contato com o marxismo-leninismo e, mais especificamente, com a RDP da Coréia? Quando você visitou a RDPC pela primeira vez e qual foi sua impressão do país na época?


Camarada Alejandro, junto a militares norte-coreanas


Alejandro Cao de Benós: Quando eu tinha 13 anos de idade, já estava consciente sobre as absurdas desigualdades no mundo, onde 20% da população acumula toda a riqueza e todos os recursos, enquanto 80% do resto da população vive em dificuldades. Queria fazer algo para mudar essa situação. Tudo isso me levou a estudar filosofia e política, a aprender os fundamentos do marxismo e as experiências de diferentes países que tentaram construir o sistema comunista. Com 16 anos conheci, pela primeira vez, camaradas norte-coreanos em Madrid e criei uma organização juvenil de apoio à RDPC. Encontrei-me completamente identificado com a Coréia do Norte não só por causa do socialismo Juche, mas também por sua cultura e pela personalidade de seu povo.

Eu visitei a RDPC antes da "árdua marcha" [*observação nossa no final da entrevista] e minha impressão foi de o país estar vivendo em um sonho. Dessa maneira, encontrei meu lar revolucionário, meu lugar onde meus camaradas queriam construir uma nova sociedade baseada nos ensinamentos de nosso grande líder Kim Il Sung.

S.C.P.: No ano 2000, você criou a Associação de Amizade com a Coréia (KFA) como uma maneira de as pessoas conhecerem mais sobre a RDPC e sobre a luta do povo coreano. Com quais partidos políticos a KFA tem contato? Quais foram as principais conquistas que a KFA teve desde 2000 até hoje? Quais foram as principais dificuldades que a organização enfrentou? Que sugestão você daria para nós do “Solidariedade à Coréia Popular” aumentar o número de leitores?

A.C.B.: A KFA é uma organização cultural, independente, apartidária e sem fins lucrativos. Dessa maneira, não possui contatos com partidos políticos. Temos membros de diferentes países, camadas sociais e visões políticas, desde que os mesmos respeitem a RDPC e estejam interessadas em apoiá-la e em construir a amizade com a mesma.
 
Nossas principais conquistas foram contar com mais de 9500 membros em mais de 120 países e de ser um “ponto de encontro internacional” ou uma “ponte” entre a RDP da Coréia e o resto do mundo.

Camarada Alejandro
Enfrentamos muitas dificuldades. Comecei a levar a cabo a KFA sozinho há 10 anos atrás na frente de um computador. Naquela época, era bastante difícil para mim encontrar tempo a altas horas da noite, depois de um dia inteiro trabalhando. Depois, começamos a ter muitos ataques pela Internet, nosso site foi censurado na Coréia do Sul e fizeram a nós ameaças de todo tipo, mas nunca demos um passo atrás: cada dificuldade era uma inspiração para continuar progredindo. A vida do grande líder Kim Il Sung sempre foi a inspiração da KFA.

Sugiro que vocês continuem adicionando conteúdos e não deixem boatos influenciarem seus trabalhos. Foquem em suas missões. Os comentários inúteis e sem base devem ser jogados ao vento, porém suas atividades devem permanecer e inspirar as outras pessoas. Dessa maneira, a cada dia vocês terão cada vez mais apoio.

S.C.P.: Qualquer pessoa pode viajar para a RDPC? Quais são os direitos e as restrições dados àqueles que visitam a RDPC como turistas?

A.C.B.: Qualquer pessoa pode visitar a RDPC, com exceção daquelas que tenham passaportes dos EUA, da Coréia do Sul ou do Japão, que precisarão de protocolos especiais para entrar no país. As principais restrições são equipamentos de radio e telefone, ou propagandas imprimidas que não são permitidas entrarem no país. Câmeras fotográficas, em certos lugares, também são restritas.

 De qualquer maneira, a RDPC é o país mais seguro do mundo, então não há nada com o que se preocupar desde que o visitante respeites as regras e os conselhos dos guias coreanos.

S.C.P.: Durante os anos 1953-1990, a RDPC era um dos países do mundo com maior desenvolvimento e progresso. Enquanto a RDPC seguia o caminho do desenvolvimento e do socialismo, a Coréia do Sul estava afundada nas trevas da repressão militar-fascista dos Estados Unidos e tinha uma economia atrasada em relação à Coréia do Norte. Em quase todos os campos, a produção da Coréia Socialista superava a produção sul-coreana. Porém, no começo dos anos 90, a RDPC caiu numa série crise motivada pela queda do mercado socialista, por adversidades geográficas e naturais e por conta do severo embargo econômico imposto pelos imperialistas norte-americanos, fatores estes que levaram a sérias dificuldades econômicas e à escassez em vários campos, incluindo o sério desabastecimento alimentar que causou duros danos ao país. Desde o começo do novo milênio, porém, a RDPC vem superando gradualmente a crise e retornando à estabilidade econômica. De acordo com sua experiência na RDPC, como o povo coreano via a crise? Quais foram as conseqüências da crise? Na época da crise, os coreanos ainda mantinham-se apoiando o socialismo? O que o governo coreano fez para superar essa situação? Como está a situação econômica na RDPC nos dias de hoje?

A.C.B.: Os coreanos lutaram durante a época da crise com grande coragem e sacrificando tudo, inclusive suas próprias vidas, pela Revolução Coreana. Vi pessoas morrerem de desnutrição nas fábricas porque não tinham comida e queriam continuar trabalhando, produzindo. A pior época para a Coréia foi quando os estabelecimentos de comida foram fechados e não havia luz ou água potável. Porém, todos avançaram orgulhosamente sob a direção do grande líder Kim Jong Il, e superaram todas as dificuldades. Ao longo da década de 2000, a economia começou a se recuperar e, atualmente, cresce a um ritmo acelerado. Nos dias de hoje, as lojas estão repletas de bens de consumo e novas construções estão sendo finalizadas, como a recente construção de 100 mil novos apartamentos que são distribuidos gratuitamente aos cidadãos.

O governo conseguiu superar essa situação reduzindo gastos com a moeda estrangeira e desenvolvendo a indústria nacional independente, como a produção de nosso próprio coque para a indústria de ferro, nossos próprios fertilizantes e nossas próprias fábricas têxteis.

Os coreanos sempre acreditaram no socialismo. Caso contrário, o país poderia render-se ao mercado capitalista como Vietnã e China fizeram.

A situação atualmente encontra-se num clima de otimismo para que no ano de 2012 sejam abertas as portas para declarar a RDPC como uma poderosa potência econômica que ultrapassará o padrão de vida de qualquer país capitalista e demonstrará a superioridade do socialismo Juche não só militar ou politicamente, mas também no campo econômico.

S.C.P.: Nos dias de hoje, muitos membros do Movimento Comunista Internacional concordam que não existe modelo de socialismo, e que cada país deve construir o socialismo de acordo com sua realidade. A RDP da Coréia construiu seu socialismo através da via do Juche, que significa ir através da via que acredita que o homem é o dono do mundo e forja seu próprio destino. Os comunistas coreanos, desde o início da revolução anti-japonesa, defenderam que a Coréia deveria construir o socialismo de acordo com sua realidade, e não importando modelos de outros países. Levando em conta esses fatos, que lições a RDPC pode dar aos comunistas do mundo?

A.C.B.: Muitas lições: A primeira, não desistir de suas idéias (manter sempre o sentimento anti-revisionista e anti-fracionista). Muitos ‘grandes comunistas’ ou ‘grandes guerrilheiros’ esqueceram-se de suas idéias no momento em que chegaram ao poder. Outros, mudaram de lado por conta dos tempos difíceis. Por exemplo, a Coréia perdeu vários “amigos” estrangeiros em seus tempos de dificuldade, e só os verdadeiros amigos permaneceram.

Nosso grande líder Kim Il Sung, certa vez, disse que a Idéia Juche não pode ser copiada mecanicamente da Coréia do Norte, mas cada país deve encontrar seu próprio caminho para o socialismo, de acordo com sua cultura e suas características.

S.C.P.: Kim Il Sung foi o principal líder da Revolução Coreana. Depois de sua morte, em 1994, a principal liderança do país passou a ser seu filho, Kim Jong Il. Existe uma grande especulação por parte da imprensa ocidental que, depois da morte de Kim Jong Il, um de seus filhos irá assumir o posto de principal líder da RDPC. Você acha que existe a possibilidade de isso acontecer ou são apenas boatos? Se puder, faça comentários sobre a questão do “culto à personalidade” aos líderes e no que influência isso possui na vida do povo. O “culto à personalidade” dificulta a construção socialista na RDPC?

A.C.B.: Isso apenas demonstra uma falta de conhecimento sobre a história da Coréia e sobre a personalidade do povo coreano. As pessoas não conseguirão visitar a Coréia ou conversar com seu povo sem entender a cultura coreana, incluindo o budismo, para entenderem seu socialismo.

Kim Jong Il nasceu num campo militar durante a Guerra anti-japonesa. Ele não cresceu sob os cuidados de seu pai, mas sim sob os cuidados dos soldados. Desde muito jovem ele acompanhava o grande líder Kim Il Sung e demonstrava grande inteligência, sagacidade nos assuntos militares e governamentais. Dessa maneira, o povo quis que ele continuasse o legado do Presidente Kim Il Sung. Na RDPC, costuma-se dizer que Kim Il Sung e Kim Jong Il, na prática, são a mesma pessoa.

Sobre a nova questão de quem será o próximo líder, não passa de boatos da imprensa ocidental. A mesma declarou em outubro de 2010 que Kim Jong Un seria apontado como o próximo líder. Porém, depois do congresso do Partido, Kim Jong Il foi reeleito como secretário-geral.

Não se pode nomear um líder arbitrariamente. O mesmo deve demonstrar capacidade para sê-lo durante muitos anos e ser amado pelo povo.

“Culto à personalidade” é uma palavra de fabricação ocidental, que demonstra a ignorância da realidade da RDPC onde todos se sentem como uma família una e indestrutível, onde o centro de tal família é o pai (ou, no caso, o Líder). Pelo fato de outros povos não amarem seus respectivos presidentes como seus próprios pais, eles não podem entender o amor do povo coreano por seu líder.

S.C.P.: Com quais países a RDPC possui relações econômicas, políticas e/ou diplomáticas? Como a RDPC enxerga o Movimento Comunista Internacional e o crescimento dos movimentos progressistas na Venezuela, na Bolívia e em outros países da América Latina? Qual é a opinião da RDPC sobre os países que ainda mantêm a perspectiva socialista (RP da China, República de Cuba, Laos e República Socialista do Vietnã)?

A.C.B.: A RDPC possui relações com a maioria dos países do mundo, mas existem países com os quais a mesma possui laços especiais por conta de identidades históricas, como China, Rússia ou Camboja.

A RDPC enxerga positivamente os países que seguem o rumo do socialismo, especialmente os países latino-americanos por conta do estreitamento de relações com tais países, que outrora foram muitos influenciados pelos EUA.

Os princípios da RDPC nas relações estrangeiras são: independência, não-interferência em assuntos internos, paz, amizade e benefício mútuo.

S.C.P.: No que consiste o embargo econômico imposto pelos imperialistas norte-americanos? Como o embargo econômico dificulta a RDPC a manter relações amistosas com outros países do mundo?

A.C.B.: O embargo econômico é uma forma de tentar isolar e destruir o sistema socialista da RDPC. Isso consiste no total bloqueio tecnológico (o que significa que o país não pode progredir cientificamente), o bloqueio de contas bancárias (o que faz com que o país não possa fazer transações internacionais ou vender seus produtos), bloqueio das linhas de envio (os barcos de envio podem se atrasar, serem saqueados ou seqüestrados por tropas norte-americanas e por seus lacaios), e outro exemplo é o preço das ligações telefônicas internacionais, posta pelos EUA como uma das maiores do mundo.

Com um embargo em vigor, não podemos cambiar nosso dinheiro pela moeda externa (dólares dos EUA ou euros), o que dificulta mandar pessoas para outros locais ou abrir embaixadas em países estrangeiros, afetando diretamente nossa capacidade de fazer intercâmbios e outras atividades com o resto das nações.


[*] A "Árdua Marcha" da qual Alejandro Cao de Benós fala, refere-se ao perído mais difícil da revolução anti-japonesa na Coréia, no qual o Exército Popular Revolucionário da Coréia, liderado pelo General Kim Il Sung, atravessava a àrea do Monte Paektu no inverno que, lembramos, trata-se de uma das regiões mais frias do mundo nessa estação, com temperaturas que podem atingir os -60°C. O povo coreano também usa o termo "Árdua Marcha" para se referir à dura crise sofrida nos anos 90, como uma forma de relacionar essa época com tal período da luta armada na Revolução Anti-Japonesa.