terça-feira, 15 de junho de 2010

O Internacionalismo e a seleção de futebol da Coréia Popular


Depois de longos anos fora da Copa do Mundo, a seleção da República Popular Democrática da Coréia retorna ao campeonato e fará o seu jogo de estréia, dentro de algumas horas, contra a seleção brasileira. Para nós brasileiros será difícil escolher um lado, mas obviamente o caráter popular e proletário da seleção norte-coreana será levado em conta. Abaixo, publicamos um excelente texto espanhol sobre a seleção do país socialista.

Por Anibal Garzón

O quadro teórico marxista analiticamente divide a estrutura social entre burguesia e proletariado. Em base a esta linha científica, as relações de classe imperam na total construção social do modelo capitalista, inclusive no campo esportivo.

A Copa do Mundo 2010 inicia-se na África do Sul hoje 11 de Junho. Participam 32 seleções, mas só uma é seleção do proletariado, a seleção da Coréia do Norte. As 31 restantes são seleções burguesas. Um dado que reflete contrariedade comparativa com a estrutura social a nível mundo, onde o proletariado, e o pobres, são a maioria arrasadora quantitativamente. No capitalismo o futebolista converte-se em classe burguesa empresarial ao obter um alto capital pelo desporto, capital impossível de obter por qualquer operário do país. Enquanto no socialismo o futebolista é proletariado trabalhador, igual que todo seu povo. O esforço de um futebolista é qualificado materialmente por igual que o esforço de um professor, de um militar, de um doutor?, enquanto no capitalismo o futebolista está por cima. O futebolista espanhol busca sua vitória, o norte-coreano a de seu povo. A seleção de Espanha (e as 30 restantes) e a Coréia do Norte, dois exemplos de futebol de classe, o individualismo e o colectivismo.

A seleção espanhola, burguesia. Ganhar para eles próprios

A crise não pára de se acelerar no Estado Espanhol e o desemprego não deixa de aumentar. Os cortes neoliberais e a redução dos serviços do Estado são a cada vez mais visíveis, como a redução de salário ao funcionariado e a futura nefasta reforma antilaboral. Mas não afeta a crise em todos os setores, como o setor futebolístico (se o pudermos chamar assim). Segundo o acordo atingido entre os componentes da seleção de futebol espanhola e a Real Federação Espanhola de Futebol, os 23 jogadores selecionados levarão, cada um, 600.000 euros se vencerem o campeonato internacional. Os bónus não são insuficientes se somente chegam a quartos-de-final: 60.000 euros por futebolista. Chegar às meias finais, 90.000 euros, e chegar à final e não a ganhar 120.000 euros. 480.000 euros por ganhar um partido! Enquanto o aumento do desemprego durante o mês que dure o Mundial da África do Sul seguramente crescerá no Estado Espanhol a classe futebolística pode ver crescer milionariamente suas riquezas.

Na Antiga Roma, os que realizavam o espetáculo eram escravos que saíam ao circo para realizar suas obras e batalhas. Atualmente, esses escravos passaram a pertencer à classe alta como imagem de mercado. O capitalismo com seus aparelhos propagandísticos e de publicidade, sobretudo com o nascimento da televisão nos anos 50, viu a possibilidade de explorar a imagem dos jogadores de futebol para serem idolatrados pelos espectadores e receberem em troca milhões de euros. O futebol é parte do lazer social, mas diferentemente de outros campos sociais de grande trascendência, a previdência, o ensino... toda sociedade pode viver sem ele em substituição de outros espaços. A funcionalidade do futebol no capitalismo é pelos grandes ganhos que gera, não por sua imagem de benefício coletivo. Se a seleção de futebol espanhola consegue fazer bom papel no Mundial de África do Sul, a classe trabalhadora não receberá nenhuma melhoria social-material. Justamente ao revés, simbolicamente. O sentimento de um Estado monárquico mononacional (estado espanholista)[1] será utilizado nos meios de propagada e difusão, como constantemente fazem, para reproduzir a identidade espanhola como um todo e destruir a consciência dos nacionalismos periféricos, como o catalão, basco ou galego... além de eliminar o conceito de classe social a mais de 4 milhões de desempregagdos mediante os aparelhos propagandísticos do Estado Espanhol com sua identidade espanhola como orgulho pelo papel de sua seleção de futebol no Mundial. O futebol no capitalismo espanhol potencializa a identidade nacional (todo) e elimina a identidade de classe (parte), base do fascismo.

A seleção da Coréia do Norte, proletariado. Ganhar para o povo


Das 32 seleções que vão ao Mundial, só numa seleção jogam trabalhadores, Coréia do Norte, a chamada seleção "Cholima"[2]. Nenhum dos 23 jogadores norte-coreanos se enriquecerá individualmente se sua seleção ganhar ou conseguir um posto destacado. As comemorações materiais que a FIFA atribuiria à Federação Norcoreana de Futebol, como a qualquer outra Federação Nacional, serão 30 milhões de euros quem ganhar o campeonato, 24 a segunda seleção do Mundial, a terceira 20, a quarta 18 e desde a quinta à oitava seleção perceberão 14 milhões. Dos 30 milhões, simplesmente os 23 jogadores da seleção espanhola levarão quase metade, 13.800.000 euros, se ganharem o Mundial. A vitória da seleção da Coréia do Norte é a vitória para o povo, dado que essa quantidade passa a mãos do Estado para realizar investimentos públicos em esferas como previdência, educação, infra-estruturas, diferentemente da seleção espanhola, que ainda que ganhe sua equipe o Estado não disporá de nenhum benefício capital para gastos sociais. Na seleção norte-coreana a maioria dos jogadores estão em clubes de futebol nacionais, menos algumas exceções. O jogador Jong Tae Se, o chamado "Rooney asiático", é atacante e joga na equipa japonesa Kawasaki Frontale. Ele nasceu em Nagoya (Japão) mas é de pais sul-coreanos, e mesmo assim não obteve a nacionalidade japonesa (chamados cidadãos zainichi, cidadãos de segunda), enquanto sim obteve a norte-coreana por sua visão política. Tae Educou-se numa escola e universidade pró-norte-coreana do Japão, fortalecendo assim suas raízes coreanas. Tae Argumentou-se, ao ser educado numa sociedade capitalista, que o impactou que os mesmos futebolistas devam lavar a própria roupa, ainda que crie um orgulho de comunidade. Um futebolista é mais um trabalhador, não um bien vivant, como os futebolistas espanhóis! Algo que nunca faria Iker Casillas (goleiro da seleção espanhola). Um outro norte-coreano que joga fora de suas fronteiras é Hong Yonj-Jo, no Rostov russo. Enquanto seus colegas de equipa levam carros caros, algo que não pode fazer um operário russo, Yonj-Jo não tem nenhum auto, dado que seus rendimentos vão ao Estado, de forma comunitária, para poder reinvertê-los em políticas sociais em benefício da população civil. Um trabalhador do e para o povo norte-coreano, o que nunca faria Fernando Torres (atacante espanhol). Segundo Yonj-Jo "Todos meus pensamentos são sobre futebol e o Partido dos Trabalhadores". Outro futebolista que joga na Liga japonesa é Ahn Young-Hak, na equipa Omiya Ardija. Três estrelas norte-coreanas que jogam futebol pelo bem comum, modelo dominante também na elite mundial do desporto cubano.

Se Espanha ou uma das restantes 30 seleções ganharem, então ganha o rico, se ganhar Coréia de Norte, ganha o povo. Pois não deixemos o internacionalismo, que ganhe a maioria social classista, que ganhe a Coréia do Norte! Em 1966, único mundial em que a Coréia do Norte participou, e além disso em solo britânico, reino que nem reconhecia o estado da Coréia do Norte (por sua inimizade desde a Guerra da Coréia de 1950-1953) e tentou boicotar à seleção norte-coreana não lhe concedendo os vistos mas finalmente se teve que recuar, a Coréia do Norte jogou seus partidos de primeira rodada em Middlesbrough, cidade onde predomina a classe operária. Assim, a população operária de Middlesbrough, com sua internacionalismo operário como princípio, começou a simpatizar com a seleção trabalhadora norte-coreana, acompanhando 3.000 vizinhos de Midlesbrough a mesma seleção da Coréia do Norte a Liverpool em seu partido de quartos-de-final frente a Portugal[3]. 3.000 pessoas que defenderam a dignidade independente e a soberania da Coréia do Norte solidariamente, vendo a vitória da Coréia do Norte como um benefício para o povo asiático, enquanto a vitória de Inglaterra não proporcionava nada à classe trabalhadora, só à classe futebolística e aos empresários do setor.

Notas

[1] Estado que nunca aceitou o conceito Plurinacional como sim fez a Bolívia em sua Nova Constituição Política aprovada por referendo em 2009.

[2] Nome de um cavalo mítico coreano com que se conhece a seleção.

[3] Veja-se o documentário do diretor britânico Daniel Gordon sobre o Futebol na Coréia do Norte e o Mundial de 1966, entrevistando ingleses e norte-coreanos. O documentário intitula-se ?The Game of Their Lives? (2002). Ver o documentário em http://sharingcentre.net/13934-game-their-lives-2002-a.html

Fonte: Fútbol Rebelde e Diário Liberdade