A
península coreana, em sua longa história, sempre teve seu destino marcado pelo
intervencionismo e por invasões. A
luta por uma Coreia soberana sofreu seus maiores reveses no século XX, onde as
turbulências deste conturbado período marcaram profundamente a história da
região.
O
governo colonial japonês (1910-1945), em sua escalada imperialista, utilizou a
Coreia como base para suprir a demanda japonesa de alimentos, commodities e trabalho
e, em contrapartida, exportar/impor produtos de fabricação japonesa ao mercado
coreano. Devido a sua localização estratégica, também serviu como base militar
para as agressões japonesas no continente asiático. Apesar de muitos
historiadores lembrarem que a Coreia foi industrializada neste período, este
progresso não veio sem custo. Sustentar a expansão do imperialismo japonês
custou caro ao povo coreano.
As
escravas sexuais e o trabalho forçado de milhões de coreanos são alguns
exemplos dos crimes perpetrados pelos japoneses durante o período de dominação.
A exploração foi tão brutal que chegou a obrigar os coreanos a abandonar sua
língua e religião. O ensino e uso obrigatório do japonês foram introduzidos em conjunto com a prática
de adotar nomes japoneses, numa clara tentativa de liquidar a nação coreana da
face da terra.
Mesmo
após a assinatura da rendição japonesa, os coreanos não se viram livres do
intervencionismo. Seu país foi divido em dois – no paralelo 38 – pelas
superpotências da época. Não demorou para que esta divisão se transformasse em
um dos maiores conflitos do século XX. A Guerra da Coreia (1950-53), como ficou
conhecida, terminou em um armistício que perdura até os dias atuais. Com base
no estado de guerra e a suposta periculosidade da RPDC, os EUA justificam a
manutenção da sua presença militar na península.
Não
podemos cair na armadilha de resumir o debate sobre a questão coreana em quem
exatamente iniciou o conflito de 1950. Pouco importa do ponto de vista
político, há documentos que comprovavam que ambos os lados planejavam unificar
o país via ação armada. O ponto crucial desta discussão é perceber e reconhecer
que o povo coreano permanece dividido, com sua parte sul ocupada e dominada por
uma potência estrangeira.
Qualquer
análise honesta sobre a península coreana
deve levar em consideração o exposto acima. Posto isto, passemos a uma
breve análise da situação atual da RPDC.
Desde
o colapso do socialismo real, a RPDC tem sofrido constantemente o maior
bloqueio econômico e as maiores provocações da história dos Estados modernos.
Arriscamos argumentar que não há caso semelhante na história, nenhuma nação
soberana foi submetida a tamanha pressão e agressão como a RPDC. As razões são
várias, mas todas se concentram na natureza estratégica da região e no fato dos
EUA terem ali, “perdido” sua primeira guerra após sua ascensão como potência.
Mesmo
com todas as adversidades enfrentadas, a RPDC não só foi capaz de prover um
padrão de vida mínimo aos seus cidadãos, mas também de produzir satélites e
dominar os segredos da energia nuclear, as duas tecnologias mais estratégicas e
mais bem guardadas pelos países capitalistas avançados. E justamente por isto, incomoda tanto.
Os
que tiverem oportunidade de visitar a Coreia Popular verão com seus próprios
olhos a realidade concreta do país, observarão como seus habitantes tem uma
vida modesta, porém confortável; como a indústria leve é bem desenvolvida e
seus habitantes têm acesso a um consumo de bens
mínimos que muitas pessoas em países “livres e capitalistas” nem sequer
sonham em ter.
O
visitante intelectualmente honesto vai perceber e reconhecer que o país, mesmo
sofrendo as pressões mais duras impostas a um Estado moderno, possui uma
elevada capacidade industrial. Trata-se
de um feito digno do mais profundo respeito. Há muitos países “livres e
capitalistas” que não conseguem chegar perto do nível industrial da RPDC.
Arriscamos
dizer que nenhum país fez tanto, com tão pouco. Mas por que incomoda tanto? A
resposta é óbvia: o domínio da
tecnologia de satélites e nuclear.
A
importância da tecnologia de satélites no mundo atual é extrema, uma vez que a
maioria dos meios de comunicação utilizam os satélites como meio de propagação
de suas ondas. O GPS, rádio, previsão do tempo, observação do terreno são
alguns dos muitos exemplos da aplicabilidade desta tecnologia. É algo tão
importante que, para as grandes potências, um país que domina a tecnologia de
lançamento de satélites é um país já “desenvolvido”.
A
tecnologia nuclear, por sua vez, dispensa apresentações. A posse de armas de
destruição em massa funciona – como historicamente comprovado – como uma arma
de dissuasão. Os países que almejam possuir este armamento, o fazem para se
proteger do único país que até hoje utilizou a arma, o país que já ameaçou
diversos países com o uso da mesma, o país mais agressivo do mundo que desde
sua fundação já invadiu militarmente dezenas de nações soberanas, os Estados
Unidos da América.
O
argumento utilizado de que a RPDC é um país violento e provocador não se sustenta
na História. Cabe ressaltar que a Guerra da Coreia foi uma guerra civil que
terminou internacionalizada pela conjuntura da época.
Os
rotuladores da RPDC são o conjunto de países mais violentos e provocadores da
história recente. Estes, se escondem atrás do rótulo de “comunidade
internacional” para tocar sua agenda de interesses específicos disfarçados como
interesses gerais.
Não
por acaso são responsáveis por grande parte das desgraças humanas do século XX
e XXI. Citemos, como exemplo recente, as
guerras no oriente médio e a consequente crise imigratória.
O
absolutamente intolerável é um país que se declara socialista,
anti-imperialista e soberano dominar tecnologias de ponta. Os verdadeiros
agressores e provocadores do mundo nunca irão aceitar conviver com a quebra do monopólio das tecnologias capazes de revolucionar as forças produtivas, de
espionar e de destruir. A derrota imposta pela URSS e a China durante a Guerra
Fria do século XX já serviram de dura lição para impedir que no futuro a
história não se repita.
É
por isso que a “paciência estratégica” acabou e as piores sanções da história
estão sendo impostas a este país soberano. É por isso que o nível das
provocações aumentaram e agora os exercícios militares dos EUA-Coréia do Sul
ensaiam vividamente operações de “cortar a cabeça” ou “eliminar cirurgicamente”
a liderança.
Não
obstante, o eixo midiático acadêmico euro-estadunidense não economiza adjetivos
pejorativos para categorizar a RPDC: Estado ermitão (hermit state), reino ermitão (hermit kingdom), Estado fora
da lei (rogue state), entre outros.
Contudo,
o estudo honesto da história e da realidade da Coreia Popular revela que a
condição de isolamento nunca foi um fator voluntário, mas uma imposição
derivada da intransigência da “comunidade internacional” em aceitar qualquer
modelo de desenvolvimento diferente dos padrões estabelecidos. O pragmatismo no
qual a RPDC estabelece relações diplomáticas e aceita ajuda humanitária é
testemunho da vontade deste país de se integrar com o resto do mundo.
Evidente
que existem problemas dentro do país, mas estes perpassam bem longe da
enxurrada de mentiras inventadas pelo ocidente. Problemas exógenos e endógenos
à parte, de todas as formas, para os observadores imparciais, mesmo discordando
de diversas características da realidade norte coreana, a RPDC é uma prova viva de que é possível um
mundo desenvolvido não capitalista e não americanizado.
Enquanto
muitos demais países se curvam perante os poderosos interesses da “comunidade
internacional” que tem como conduta base chutar a escada do desenvolvimento
para os países pobres, a República Popular Democrática da Coréia mantém com uma
intransigência heroica um projeto nacional anti-imperialista e independente.
Ninguém
é obrigado a concordar com tudo que se passa na Coreia, mas só há um adjetivo
para rotular corretamente a República Popular Democrática da Coréia: Estado
sitiado (besieged state); um Estado cercado pelas forças mais agressivas e
dominadoras da História contemporânea.
por Gaio Doria
Publicado originalmente no blog Resistência