Estúdio de Arte Mansudae, em Pyongyang, tem mil artistas e é
provavelmente um dos estúdios com maior produção no mundo. Sua arte, de um
realismo socialista contemporâneo, tem entre os clientes Alemanha e países
africanos
Por Nadja Sayej, na Vice
A arte da República Democrática Popular da Coreia é a marca registrada do
realismo socialista contemporâneo. Na verdade, é possível comprar a arte da
Coreia do Norte pela internet — desde cartazes de propaganda, paisagens e
buquês de flores até retratos de família. Claro, os cartazes de propaganda são
os mais vendidos (também são os mais baratos), mas as pinturas com joias são outra
coisa completamente diferente (obras raras e chamativas, totalmente
confeccionadas com pedrarias).
Algumas semanas atrás, numa feira de arte em Dandong, China, a atração mais
popular foi uma exposição de belas artes da RDPC, aberta na Galeria Dandong no
dia 10 de outubro. A CCTV (um dos principais canais de TV chineses) anunciou
que a exposição se tornou o destaque da feira, vendendo 30 obras nos primeiros
três dias. Não havia arte de propaganda na exposição. A seleção era mais
expressiva, arte estilo cartão-postal. Parece que enquanto muitas barreiras
norte-coreanas ainda estão de pé, a arte é uma maneira de ultrapassá-las.
Tudo isso foi criado por um estúdio em particular. Fundado em 1959, o
Estúdio de Arte Mansudae é um estúdio de Pyongyang que emprega quatro mil
funcionários, mil deles artistas. Provavelmente um dos estúdios de maior
produção no mundo, a instituição costumava funcionar sob a coordenação de King
Jong Il, o que fazia dele o mais proeminente estúdio de arte da Coreia do
Norte. Contando com departamentos de produção em pintura a óleo, cerâmica,
xilografia e escultura — o Mansudae criou o Monumento à Fundação do Partido
Coreano dos Trabalhadores, onde três mãos empunham uma foice, um martelo e um
pincel de caligrafia. Os caras levam a sério sua arte.
A produção de obras com clientes internacionais é a receita perfeita para o
sucesso de vendas. Desde os anos 1970, o Mansudae tem uma seção internacional,
oferecendo mão de obra barata para grandes monumentos, como o Monumento da
Renascença Africana no Senegal e o monumento de guerra Acre dos Heróis na
Namíbia. Os monumentos do Mansudae são criticados por serem muito
“coreanescos”; aparentemente a Alemanha é o único cliente ocidental do estúdio,
que os contratou para recriar a Fonte do Conto de Fadas em Frankfurt. Na última
década, estima-se que o Mansudae tenha feito US$160 milhões. Ainda assim, os
artistas não veem esse retorno — todo lucro das vendas vai direto para o
estado.
Numa rara entrevista, o gerente do site ocidental do Mansudae, Pier Luigi
Cecioni, falou com a VICE, direto da Itália, sobre o site do Estúdio de Arte
Mansudae, a arte do realismo socialista, e como é ser um dos cinco estrangeiros
numa festa em Pyongyang.
VICE: Como você acabou se envolvendo com a arte norte-coreana? Você parece
ser um especialista.
Pier Luigi Cecioni: Em 2005, eu era presidente de uma
orquestra de música clássica em Florença, Itália. Por coincidência, uma
delegação da minha orquestra era convidada para participar do Festival da
Amizade de Primavera em Pyongyang todo ano (agora menos frequentemente). O
Festival acontece por volta do dia 15 de abril, que é o aniversário do pai da
pátria, Kim Il Sung, e é o feriado mais importante da Coreia do Norte. Cerca de
700 pessoas participam do festival e somente 20 são estrangeiros (nosso grupo
era formado por cinco pessoas). Em Pyongyang, perguntei se eles tinham algum
centro de belas-artes ou galeria que eu pudesse visitar.
Acontece que o Estúdio de Arte Mansudae fica em Pyongyang, e esse é
provavelmente o maior centro de produção de arte do mundo. E eu nunca tinha
ouvido falar nisso (ninguém tinha, provavelmente). É possível encontrar algumas
informações sobre o Mansudae em nosso site. Quando perguntei se eles estariam
interessados em fazer algo no Ocidente, eles responderam: “É claro”. Em janeiro
de 2006, depois de meses de correspondência, retornei a uma Pyongyang
extremamente gelada com meu irmão Eugenio, um artista, professor da Academia de
Belas Artes de Florença e, na época, diretor de um centro de exposições próximo
de Florença. Escolhemos vários trabalhos para trazer para a Europa e assinamos
um acordo, tornando-nos representantes do Estúdio de Arte Mansudae no Ocidente.
Uma das cláusulas do acordo era organizar exposições das obras do Mansudae no
Ocidente. Retornei a Pyongyang algumas vezes desde então e artistas coreanos já
vieram visitar a Itália.
Até que ponto a construção do site do Estúdio de Arte Mansudae
evoluiu?
Começamos a construir o site em 2007, na época de nossa primeira exposição. O
site tem como público-alvo os ocidentais e é gerenciado por mim.
O Estúdio de Arte Mansudae representa a elite dos artistas da Coreia
do Norte. Quão difícil é se juntar ao estúdio e qual é o processo de entrada
para os artistas?
A maioria dos melhores artistas do país está no Mansudae. Praticamente todos
eles têm um curso universitário ou formação em belas-artes. Quando um estudante
se destaca na universidade, ele ou ela é convidado a se juntar ao Mansudae. E
se um artista se destaca em outro centro, ele ou ela pode ser convidado a
entrar para o estúdio. É uma grande honra fazer parte do Mansudae.
Você sabe quantos artistas entram no estúdio por ano?
Desde que comecei meu contato com o Mansudae, pelo que sei, o número de
artistas se manteve mais ou menos constante, então, não acho que haja um número
fixo de artistas entrando todos os anos.
O treinamento é muito exigente, começando aos nove anos de idade,
certo?
Pelo que eu sei, não há um treinamento que comece tão cedo. Do ensino elementar
até o colegial, até onde eu sei, as crianças frequentam a escola somente no
período da manhã e estudam várias matérias. Do final da escola elementar até o
colegial, durante a tarde, os estudantes podem participar voluntariamente de
programas e instituições nos quais podem praticar música, arte, esporte,
teatro, etc. Minha impressão é que o treinamento começa a ser muito exigente na
universidade: os norte-coreanos são estudantes universitários muito aplicados e
sérios. No entanto, não tenho um conhecimento aprofundado sobre o sistema escolar
da Coreia do Norte.
É verdade que mesmo quando a arte dos artistas vende, o lucro vai
direto para o estado?
O Mansudae tem uma, talvez inesperada, autonomia econômica. O dinheiro das
vendas vai para o Estúdio de Arte Mansudae. Isso deve ser diferente no caso de
grandes projetos no exterior, com os quais não estou envolvido. Esses
provavelmente são gerenciados num nível governamental.
Vocês têm muitos clientes no exterior? O que vende mais e aonde? São
as pinturas com joias ou, digamos, os cartazes de propaganda?
Sim, temos muitos colecionadores por aí. Como estamos na Itália, muitos dos
nossos colecionadores são italianos. Os cartazes de propaganda, por serem os
menos caros, e também muito incríveis, são as vendas mais fáceis. No entanto,
vendemos bem todos os tipos de obra. As pinturas com joias são relativamente
mais raras.
Recentemente, vi a pintura Festa Dançante a Céu
Aberto, de Han Guang Hun. As pinturas são baseadas em
eventos reais? Pela pintura parece ser uma festa muito divertida. Eu não sabia
que os norte-coreanos faziam festas assim.
Engraçado você escolher essa pintura. Eu lhe enviei uma foto não muito boa que
fiz em 15 de abril de 2005, na dança na Praça Pyongyang em celebração ao
aniversário de Kim Il Sung. Eu também participei da dança. Quando fiz essa
foto, eu ainda não tinha visto a pintura [Festa Dançante a Céu Aberto].
Fora essas grandes festividades, os coreanos gostam muito de cantar. Acho que
deve ser algo genético, porque quase todos cantam muito bem. Em julho passado,
quando estive lá, eu sempre via grupos de pessoas cantando ao entardecer e, aos
domingos, muitas pessoas fazem piqueniques familiares nos parques, cantando e
dançando. O karaokê, como em muitos países asiáticos, é algo muito popular.
Você disse que conheceu esses artistas quando eles vieram para a
Itália e que eles não gostaram da arte contemporânea. Do que eles gostaram? As
personalidades deles estão mais para egocêntricas, como o Damien Hirst, ou eles
são mais como artesões humildes? Eles são engraçados? Sérios? Dramáticos?
Teatrais? Eles são seus amigos?
Os artistas definitivamente não têm grandes egos, nem são humildes. De certa
maneira, dentre as pessoas que frequento, eles se consideram todos iguais,
mesmo tendo consciência que, na arte, alguns são melhores do que outros e que
todos têm posições de trabalho diferentes. A arte contemporânea ocidental não
interessou a eles. Na verdade, eles a acharam literalmente engraçada; eles
riram vendo alguns dos trabalhos, não com desdém, mas com uma surpresa
verdadeira. Eles ficaram muito mais interessados em arte clássica. Cerca de um
ano atrás, acompanhei alguns deles a Galeria Uffizi e aos museus do Vaticano, e
eles gostaram muito. Eles conheciam os principais artistas pelo que estudaram
na universidade. Eles são absolutamente figurativos e nunca viram experimentos
com arte abstrata, conceitual ou similares.
O artista Lee Cheol, da Mansudae, participou recentemente
de uma exposição e foi entrevistado pela CCTV na China. Os artistas falam
publicamente com frequência? Eles gostam de ser o centro das atenções?
Não posso oferecer uma resposta geral. Quando fizemos nossa primeira
exposição, convidamos dois artistas da Mansudae e eles falaram com a mídia sem
problemas. Não sei se eles falam frequentemente em público na Coreia do Norte.
Uma vez, assisti a um vídeo longo de um programa de TV (sem entender nada,
claro) com entrevistas dos dois artistas que tinham vindo para a Itália. A
verdade é que eles são muito formais para os nossos padrões. Mas eles raramente
vão ao exterior e quase ninguém fala alguma língua europeia.
Eles falam inglês? Sei que alguns deles ficam anos fora, criando
murais em lugares como a Namíbia.
Praticamente ninguém fala inglês. Há alguns interpretes. O Mansudae tem
realizado projetos realmente grandes no exterior, principalmente trabalhos
arquitetônicos e esculturais. O mais recente é um museu em Angkor Vat, Camboja,
que foi inaugurado há pouco. Para esses trabalhos eles ficam anos fora, mais ou
menos como diplomatas. Conheci muitos artistas que passaram alguns anos em
vários países, principalmente na África.
E como é visitar o estúdio Mansudae? Eles estão abertos a visitas do
público? Você tem fotos? Isso é como uma escola de arte orientada para a
comunidade?
Para mim, o Mansudae é um lugar familiar. Quando estou lá, passo muitas horas
conversando sobre vários assuntos com diferentes pessoas. Tenho várias fotos,
mas não sou um fotógrafo muito bom. Nunca encontrei nenhuma restrição para
fotografar lá. No Mansudae, que tem cerca de 12 hectares, há uma galeria
comercial, que pode ser visitada por alguns poucos turistas. As outras partes
em geral não são abertas ao público, são espaços de trabalho. O lugar é mais ou
menos similar a um campus universitário norte-americano (eles têm até um campo
de futebol), mas definitivamente não é uma escola. São cerca de quatro mil
funcionários, mil deles são artistas, e, como eu disse antes, praticamente
todos já formados, então são mais velhos do que estudantes. Há todo tipo de
estúdio lá, inclusive os dos escultores de estátuas monumentais. Há
laboratórios, lojas, departamento de suprimentos, etc. Há uma grande galeria,
um jardim de infância, uma espécie de cafeteria e muitos outros prédios. Eu não
conheço tudo. As pessoas não moram no Mansudae: elas trabalham lá e moram em
Pyongyang.
O propósito da arte na Coreia do Norte é a mensagem política. O que
mais o realismo socialista incorpora? Que símbolos eles são ensinados a pintar,
tanto nas pinturas do Kim Jong-un como nas outras?
Eu não diria que o propósito de toda a arte norte-coreana seja a mensagem
política. O realismo socialista representa a Coreia do Norte sob uma luz
positiva e, num sentido mais amplo, quer inspirar os espectadores a ter
sentimentos positivos, patrióticos e a celebrar; especialmente as grandes
esculturas e pinturas exibidas em espaços públicos: os líderes. Os temas estão
frequentemente relacionados ao trabalho, um assunto que não é comum no
ocidente. Uma forma particular do realismo socialista são os cartazes. Eles são
pintados à mão, não impressos, e têm mensagens políticas e sociais. Muitos têm
como alvo os Estados Unidos, visto como um agressor do passado e um agressor em
potencial. Além do realismo socialista, pinturas de paisagens são muito
populares. Assim como pinturas de flores e da natureza em geral. Há também
muitos retratos, principalmente de trabalhadores. Mas há tantos tipos de arte –
escultura, cerâmica, bordado, vários tipos de pintura, xilografia, caligrafia e
algumas outras — que não é possível generalizar.