Nas últimas semanas a tensão na península coreana chegou a um nível assustador, no qual os analistas e o noticiário previam uma guerra nuclear a qualquer momento.
Entretanto, após o desfile militar do último dia 15 de abril, como parte das comemorações do aniversário de 105 anos do nascimento de Kim Il Sung, fundador do país, a Coreia do Norte testou novos mísseis intercontinentais, mesmo sob ameaça de um ataque dos EUA. O teste, em vez de levar a uma intervenção americana, fez com que o presidente Donald Trump recuasse de seu discurso belicista contra Pyongyang.
Os norte-coreanos, porém, continuam em alerta, da mesma maneira como permanecem há mais de 60 anos, uma vez que os EUA mantêm tropas estacionadas na Coreia do Sul e no Japão desde o final da Segunda Guerra Mundial.
Gabriel Gonçalves Martinez esteve no dia 15 de abril em Pyongyang, capital da República Popular Democrática da Coreia (RPDC), a Coreia do Norte. Ele foi a convite do governo norte-coreano, representando a União Reconstrução Comunista (URC) e o Centro de Estudos da Ideia Juche - Brasil.
O que você achou das comemorações do 105º aniversário do nascimento de Kim Il Sung, no último dia 15 de abril?
As comemorações foram impressionantes. No dia 15 tivemos a oportunidade de assistir ao desfile militar realizado em Pyongyang. Na ocasião, pudemos ver com nossos próprios olhos o poder do Exército Popular Coreano. Depois do desfile militar, nas ruas era possível ver o povo em clima de festa. Em todos os cantos da cidade havia grupos culturais e artísticos realizando apresentações, jovens pioneiros cantando. Enfim, uma situação totalmente diferente do que estava sendo apresentado pela mídia no Ocidente.
Qual o clima entre as autoridades e entre o povo norte-coreano em meio a essa nova escalada na tensão com os EUA?
Os norte-coreanos não nutrem nenhuma ilusão em relação ao imperialismo norte-americano. Eles sabem que muito da retórica agressiva de Trump também está ligado à sua tentativa de ganhar certa legitimidade entre os setores que realmente governam os Estados Unidos, a saber, o complexo industrial-militar. De qualquer forma, a política oficial da RPDC é de desenvolver o que eles chamam de "potência próspera socialista" e a posse de armamento nuclear não é algo que está aberto para negociação. A posse de armas nucleares por parte da RPDC já é um fato, gostem os Estados Unidos ou não.
Os norte-coreanos odeiam os EUA e são mesmo agressivos e perigosos, como dizem os meios de comunicação?
Os norte-coreanos odeiam o imperialismo norte-americano. Eles tiveram uma experiência traumatizante durante a década de 50 que foi a Guerra da Coreia. Sofreram na própria pele a destruição promovida pelos Estados Unidos, então eles possuem todos os motivos do mundo para terem raiva dos Estados Unidos. Agora, isso não significa que esse ódio ao imperialismo norte-americano se traduza em um ódio automático ao povo norte-americano. Os meios de comunicação dos países capitalistas demonizam a RPDC, mas é evidente que o país não representa ameaça alguma ao mundo. Eles representam uma ameaça aos imperialistas e aos seus anseios de dominação, pois eles ensinam que mesmo um país pequeno e bloqueado pode resistir.
Pelo que você viu na parada militar, a RPDC tem capacidade de enfrentar os EUA, caso haja uma guerra? Parece que Donald Trump recuou e diminuiu o tom das ameaças...
Sim, eles possuem total capacidade de enfrentar os EUA. Os Estados Unidos precisam levar em consideração que a RPDC não é a Líbia ou o Iraque. É um país que possui arsenal nuclear e um poderoso exército. Uma guerra com a RPDC não seria algo tão simples.
Qual a importância de Kim Il Sung, motivo das comemorações do dia 15, para a história norte-coreana?
Kim Il Sung foi a principal figura da luta de libertação do povo coreano contra o imperialismo japonês e o principal organizador do movimento comunista na Coreia. Ainda jovem ele fundou diversas organizações comunistas importantes, como a União para Derrotar o Imperialismo, a União da Juventude Comunista, a União da Juventude Anti-imperialista; no período após a guerra antijaponesa, fundou o Partido Comunista da Coreia do Norte, que depois veio dar origem ao Partido do Trabalho da Coreia. Também foi o principal fundador do Exército Popular Coreano, que é o Exército do Partido do Trabalho. Kim Il Sung esteve à frente do processo de construção socialista na RPDC até o final de sua vida, em 1994.
Para terminar. Essa não foi a primeira vez que você esteve na RPDC. O que você viu em suas visitas ao país? Viu diferenças em relação ao que é transmitido pela mídia? Alguma coisa mudou desde a sua visita anterior?
Essa foi a minha quarta vez na RPDC. A primeira foi em 2011, para participar das comemorações do 99º aniversário do Presidente Kim Il Sung. A realidade do país é totalmente diferente daquilo que é mostrado pela grande mídia. Ao contrário do que muitos podem pensar, a RPDC não é um país falido, miserável, prestes a ruir. Pyongyang, por exemplo, pode ser considerada facilmente uma das cidades mais bonitas da Ásia, repleta de parques, museus, monumentos, etc. Desde quando visitei o país pela primeira vez, pode-se observar em Pyongyang um rápido desenvolvimento econômico. Nesses últimos anos o governo está inaugurando diversas obras de infraestrutura, novos prédios com moradias populares, avenidas. Recentemente foi construída a Avenida Mirae, que é uma rua com enormes prédios, onde os apartamentos são dedicados aos cientistas que fizeram destacadas contribuições ao processo de construção socialista na Coreia. Nessa avenida residencial é possível encontrar diversos restaurantes, lojas, mercados populares, cinema, bares, etc. Há poucos dias foi inaugurada a Avenida Ryomyong, também com gigantescos prédios e apartamentos modernos. Também na Avenida Ryomyong é possível encontrar toda a infraestrutura que vemos na Avenida Mirae, com a diferença de que essa nova avenida é ainda mais moderna. Em Pyongyang, em todos os cantos da cidade, é possível vermos novas obras sendo construídas, prédios sendo reformados. Isso demonstra um certo desenvolvimento econômico.
A entrevista foi concedida ao pravda.ru, publicado em 23 de abril de 2017