quinta-feira, 27 de junho de 2013

Amigos no adeus a Arnaldo Carrilho, primeiro embaixador brasileiro em Pyongyang

No dia 27 faleceu, aos 76 anos de idade, o embaixador brasileiro Arnaldo Carrilho.

O fato de ter sido o primeiro embaixador brasileiro designado para a República Popular da Coreia do Norte (RPDC) e junto à Autoridade Nacional Palestina, em nossa representação em Ramallah e ainda indicado pelo presidente Lula para embaixador brasileiro junto à Cúpula América do Sul – Países Árabes, diz muito do pioneirismo, independência, solidariedade entre os povos, que no seu trabalho junto ao Itamaraty Carrilho procurou desenvolver.

O testemunho desse embaixador que estava em Pyongyang quando o líder Kim Jong Il faleceu, atesta seu pensamento independente: "A Coreia do Norte está encoberta em luto profundo. Kim Jong Il era visto com admiração, especial carinho e respeito". Para ele, os questionamentos de alguns países do Ocidente sobre os rumos tomados pelo país incomodam os norte-coreanos, especialmente aqueles vindos da imprensa, que é vista como "uma injunção do imperialismo ocidental".

No debate em que participei ao seu lado, no Fórum Social Mundial – Palestina Livre, na presença de um dos mais destacados líderes palestinos, Nabil Shaath, no início de 2013, declarou: "a Palestina é não apenas uma questão nacional e
sim
, uma questão mundial, pois trata-se da causa da justiça e da liberdade".

Ele teve uma carreira diplomática de 47 anos e, além de Pyongyang e Ramallah, foi o responsável pela abertura de embaixadas brasileiras em Praia (na recém-liberta Cabo Verde) e Bissau (Guiné, que também se vira livre do colonialismo português) e ainda Jeddah, Arábia Saudita e Berlim Oriental. Atuou como nosso embaixador em países os mais diversos, entre eles Polônia, Austrália e Tailândia.

Além de diplomata, Carrilho foi um militante do cinema brasileiro, do qual se destacou como um dos seus maiores disseminadores em todas as suas atividades no exterior. Foi diretor da RioFilme (da sua gestão destacamos o apoio a dois filmes especiais: Lavoura Arcaica de Luiz Fernando Carvalho e Filme de Amor de Julio Bressane).

"Eu virei cinemeiro frequentando os cinemas da Penha, no subúrbio do Rio com a minha avó. Sempre que vejo o sucesso do cinema brasileiro, aquele menino que via filmes na Penha sorri dentro de mim", disse Carrilho quando assumiu a Rio Filme.

Em sua trajetória e participação em especial no movimento Cinema Novo (como destaca no vídeo de Flávia Barbalho – Cinema, Fala Cinema, homenagem a Arnaldo Carrilho) desfrutou da amizade e ação de Glauber Rocha, Paulo César Sarraceni, David Neves, Leon Hiszman, Cacá Diegues, Gustavo Dahl. Para ele, a disposição essencial de quem fazia o Cinema Novo era retratar o Brasil.

De Sarraceni (segundo ele com uma vocação profunda para produzir a tensão em seus filmes) gostava de repetir que "o Cinema Novo não é uma questão de idade, mas de verdade".

Estudioso da obra de Glauber Rocha ele afirma "O ponto crucial, o essencial da vida e obra de Glauber identifica-se com esta militância: uma ação em favor da arte revolucionária."

"Será sempre", afirma Carrilho sobre Glauber, "necessário apelar para o conjunto das opiniões da teoria política, da psicanálise, da antropologia, da lingüística, ao opinar sobre o fenômeno Glauber Rocha, pois sua lógica interna atrai curiosidades inter-disciplinares. As rupturas que ele causou, em níveis afetivos ideológicos e outros, nos diversos setores da intelligentsia, da opinião pública e da sociedade em seu tempo, representam, como um desafio, as bases de uma reflexão para toda tentativa de esclarecer nossas razões de viver e sobreviver."

"A obra cinematográfica de Glauber apresenta inúmeras originalidades... conseguiu, mais do que qualquer outro cineasta do Terceiro Mundo, inscrever-se na lista muito restrita dos artistas mais revolucionários", conclui.

O seu filho, Bruno, em declaração ao Hora do Povo, destaca essa convivência de seu pai com o cinema: "a sua paixão pelo cinema o uniu numa profunda amizade ao ministro Celso Amorim". Ambos tiveram experiências importantes na promoção do nosso cinema, Carrilho à frente da Rio Filme e Amorim da Embrafilme.

O filho de Celso Amorim, o cineasta Vicente Amorim, de quem Carrilho era padrinho, destaca que "ele era um homem muito culto, que não tinha medo de ter opiniões definitivas sobre os assuntos que defendia".

"Ele foi muito importante para a minha formação como diretor", destaca Vicente, "foi ele quem me apresentou ao Bernardo Bertolucci, que por conta da ponte com Carrilho, acabou se tornando um dos meus cineastas preferidos".

Também era um estudioso do que foi realizado de melhor pela arquitetura brasileira, o que lhe rendeu uma intensa amizade com Oscar Niemeyer: "Sempre que vinha ao Rio, me encontrava com Niemeyer com quem discutia – entre outras coisas – questões políticas e filosóficas".

Já aposentado, cumpriu sua última missão humanitário-diplomática: há 20 dias, a convite do governo do Irã, viajou a Teerã para discutir soluções que tragam a paz e defendam a soberania da Síria.

Como destacou seu filho, Bruno, ao seu funeral compareceram as representações diplomáticas da Palestina, da RPDC e do Irã, além de muitos amigos entre eles Samuel Pinheiro e Celso Amorim.

Carrilho fica na memória de seus amigos e dos entes mais próximos; sua mulher, Maria Helena Torres Batista-Carrilho e os filhos Bruno, Pedro e Lauro.

Fonte: HORA DO POVO